Ao amor de toda a minha vida...
...Hoje uma dor aguda é o meu silêncio, e eu tenho o direito de me entregar, e tenho tudo o que preciso; o abandono. Eu sei que eu usei demais o ombro, eu sei e me puni a cada vez que não consegui segurar na alma cada lágrima. Eu sei também, faz tempo muito tempo, que abuso sendo filha em tempo integral... Fazem quase vinte e seis anos, com o tempo fiquei mais pesada e menos angelical sem deixar de ser dependente, e o pior; cada vez mais humana e errante. Confesso que muitas vezes ensaiei a liberdade, e o meu fracasso me fez pesar-te muito mais que quando me carregou no ventre. Eu me perdi, e sei que aos teus olhos nunca mais voltarei ao céu para o qual tanto te preparas. Não sofro tanto por isso; acho que nunca pertencemos ao mesmo céu mesmo, seria impossível. Meu céu sempre foram os teus braços, a tua benção e o teu perdão para o meu maior pecado: minha humanidade excessiva. E já não fosse tão doloroso, quando eu mesma estou cheia de mim e de ser eu e de não ser e me entregando à paz de não ser penso em ti e te dou mais um dia da minha vida, fingindo não saber o quanto ela te custa.
Sua filha.
A quem me ama em partes da vida...
... "Eu te amo." _ Hoje foi a coisa mais inútil que ouvi, mais triste. Com a voz lenta de quem já tinha vivido o suficiente por hoje, ou de quem não pretendia me dar os últimos instantes do dia, foi assim que o ouvi. Eu havia te chamado, o que faz do fato ainda mais triste, mas por outro lado te dá completa razão; você havia me dito para não me preocupar, quando não pudesse me diria...
O gesto, a falta, a sinceridade, minha solidão esfregada na cara de hoje me disseram muitas coisas. Algumas são mais que vozes, eu as posso sentir. Estão todos certos, estou errada tantas vezes, inconveniente outras. Se conversássemos menos não esperaria de ti amizade, não te afastaria dos muitos abraços que a vida te oferece, de momentos de vida em que não se precisa pensar na vida. Das amizades que te são tão caras e certamente não te custam tão caro quanto eu. Seja lá como for um dia me faltaria tudo, o hoje era inevitável, tanto quanto me é inevitável viver o agora... apesar de confessar precisar de ti, de aceitar sua oferta e pedir sua ajuda, a cada segundo minha respiração ainda que ofegante me prova que sobrevivo sem ombros que não os meus para segurar a mente que não pára. Acho que ela de propósito não decorou seu número, para me dar tempo de frear se por algum segundo pensar em te chamar novamente.
Você não precisa saber dos pesadelos que acordo nem da realidade que não durmo, porque não posso precisar de você. Que te amo é tudo que preciso saber, me basta, e nem preciso te falar. Amor é coisa que se sente, que se faz, que não se nega. Mas guardo as palavras, elas escrevem a minha história que é verdade porque cabem no momento em que são ditas. Para não ser injusta pensei nos motivos de tua ausência, mas é em vão, nunca tomarão em mim a proporção da necessidade de um abraço com vontade, e este não aconteceria se sucedido de mais uma ligação. Não guardarei mágoa. Amanhã tudo terá passado, menos o fato de que estarei diferente, com a sensação de que aprendi a precisar menos de você.
Sua (e)namorada.
Caros amigos que passeiam em minhas palavras agora tristes: todos nós passamos e passaremos por momentos e situações que nos colocarão a prova na vida. Ainda que cada um tenha seu palpite, arrisco que seja para que saibamos merecê-la, não só a nossa, mas a das pessoas que estão ao nosso lado. Nós doamos um pouquinho da nossa vida à elas e vive versa. Tais pessoas são as mesmas que fazem o nosso coração machucado, e aí o desejamos de pedra, porque não queremos sentir a hora do amor doer. Mas dói sim, quando esvaziamos uma cota do amor que temos no ato de amar e sentimos o vazio que fica se nos percebemos sem retribuição. Mesmo tendo dois agentes, algumas vezes amar é solitário, um ama e o outro se permite ser amado e sai apressado. Não porque não ame também, mas porque talvez ache que amanhã compensará. Como se o amor se submetesse ao tempo, como se o tempo favorecesse o amor e não o contrário. Como se a casa viesse antes da obra, que o respirar viesse antes do ar, que o abraço viesse antes do olhar, que o querer bem para toda vida viesse antes de pedacinhos da vida querendo e fazendo bem.