segunda-feira, 26 de abril de 2010

Minha realidade é escrever

 Hoje, revirando antigos cadernos encontrei um texto que guardei ainda criança e que foi decisivo em minha vida. Ele explica até mesmo nosso blog. Naquele momento decidi  escrever enquanto vida tivesse,e, se conseguisse fazer parte de alguns segundos que fossem da atenção de um leitor seria imensamente feliz. Dedico então esse texto a todos vocês. Beijos.
                                                                                                                                Juci Barros




 Meu Ideal Seria Escrever...


Rubem Braga




        Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".
        Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
        Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
        E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".
        E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".
        E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.



A crônica acima foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.

6 comentários:

Helga Piçarra disse...

Que bom seria contagiar os outros com as nossas palavras. Adorei o texto.

Beijinho :)

D. R. disse...

O texto é lindo... :)

Eu também queria que um dia alguém gostasse de ler o que escrevo... E pudesse rir do que escrevo ou simplesmente recordar-se de bons momentos que viveu... Lendo as minhas histórias, os meus textos, as minhas divagações.... Que eu pudesse contribuir para a felicidade de alguém. Só pelo simples facto de escrever. Escrever é arte. Fazer alguém sentir algo com a nossa arte, é uma honra.

:) beijinho

Gina Tônica disse...

OWWWWWWWWWW... LINDO, LINDO!!!!!!!

continue caminhando...

Al Reiffer disse...

Não conhecia este texto. É de grande beleza e profundidade. Abraços!

*lua* disse...

Olá menina linda!!!

Obrigada por ter ido ao meu cantinho, todo seu agora!!! pois o seu tomei para mim tb.

Quanto ao texto ... maravilhoso ... pena que essa situação ocorra frequente com fofoca ... o amor é mais denso ... precisa de mais força para espalhar, em compensação traz felicidade sem economia.

um beijão linda!

Anônimo disse...

Belíssimo post... Muito bm conhecer seu cantinho! Adorei tudo q li e vi aqui! Continue!! Bjs!