Respirando fundo e lentamente encostada em um canto e despida dos pesos que posso e de tudo que me sufoca. É o esforço da pausa para continuar vivendo, para ser a melhor que posso ser aos que quero, aos que me querem. Esperando o coração se acalmar, a lembranças se atenuarem. Eu tenho horas de ninar as dores, e com carinho sim, para que elas adormeçam em paz e me deixem em paz também. A dor apesar de triste, apesar do seu lado dilacerante; ela constrói. A dor requer cuidados ternos, ninar a dor é purificar a alma, é enternecer.
A dor é minha filha, ela nasceu de mim, das minha atitudes impensadas ou da minha omissão. Antes da dor fui seduzida, e no pior dos casos fui violentada. Mas quando estou colocando a dor para dormir vejo uma menina indefesa (eu mesma) que precisa de força e alento firmes de mãe (eu também). Como odiar o que de mim é parte? Antes aprender e esperar que nela cresça grandiosa beleza, e que no futuro ela me dê alegrias. Existe um modo, esse que vos falo, de entrar na dor como em um santuário; é um momento que não pode ser profanado. Existe em mim um ser que agora não se divide nem se soma a nenhum outro. Um egoísmo por um bem maior, para só então ter plenitude, só depois.
Eu gostaria mesmo assim de não estar só; gostaria de alguém que acarinhasse meus cabelos e esquentasse meu corpo sem se ofender com minha distância. Gostaria de um amor, aquele que antes de desejar me ter cuidasse para que eu estivesse bem, e que, ainda sendo esse meu momento de completa indiferença a qualquer outra coisa que não seja a minha dor, ele ignorasse o resto do mundo e sentisse aí um momento nosso, do qual ele recordasse com carinho. Amor... assim quando uma mãe com cobertor protege seus filhos e os beija enquanto dormem, na distância dos seus sonhos não a vêem, mas quando acordam no meio da madrugada percebem a proteção sobre eles contra o vento frio da madrugada.

Como amar um corpo que não responde? Será que não pode se dar pra mim ao invés de querer-me possuir? Eu sei que ainda exalo perfume de vida, sei que tenho pele e olhos que despertam vontade, mas eu não estou com você... mas quero-te comigo. Vele meu sono, confira se estou respirando, beije-me e de leve me chame. Mas não me queira tomar enquanto a dor não dormir. Não posso sentir a ti quando a dor é latente, e então você irá dormir e eu ficarei chorando ...
Eu superaria voltar e não me ver em teus braços. Eu entenderia sua ausência até o meu retorno Mas você gritou comigo exigindo que minha dor fosse adiada... ah me doeu! Ainda dói. Penso no futuro nós dois juntos tão separados: eu teria que escolher a passar uma febre de 39º debaixo dos lençóis ou te acompanhar em reunião com os nossos amigos. Vejo você apagando a luz enquanto avisa onde guardou o anti térmico. Eu sei que tínhamos um compromisso, mas eu não sei se tínhamos um sentimento... Temos?
Lembro de um dia em que eu quase dormia enquanto ninava a dor e você me despertou; meu coração disparou ao som da tua voz: _ Conta comigo!Conta comigo...
As lágrimas que escorrem dos meus olhos enquanto estou no meu santuário são de contemplação, quando lavo as feridas que adormecem, é a cura que lentamente se faz. Mas você gritou comigo me agitei e magoada a ferida se faz outra dor e não são simplesmente lágrimas que escorrem.
Eu sangro porque o dia não amanhece se as dores não dormem. Eu choro porque volto e não te vejo. Meus olhos se perdem para o que poderia ter sido. Dói o que foi. Dói o que é. Dói o medo do que será.
O problema é que ainda que acabe eu não acabo. É mais uma dor para acalentar, sem a esperança de ter alguém ao lado para comigo as verem dormir, para me ajudar a transformá-las em alegrias.